sábado, 7 de dezembro de 2013

A Linguagem de Deus – Parte XII

Minhas anotações sobre o livro “A Linguagem de Deus”, de Francis Collins – Parte XII


Chegamos ao capítulo 11, o último da terceira parte do livro.

Nesse capítulo Collins narra o processo de reconhecimento da fé que o levou a Cristo. Partindo de sua passagem como médico voluntário em um longínquo e precário hospital na Nigéria em 1989 narra o que considera ter sido uma das suas mais significativas experiências humanas, ao lado do leito de um paciente que salvara da morte certa. O que aquele paciente lhe disse impactou definitivamente sua maneira de ver a fé.

Collins diz que há evidências de uma mente inteligente que pode ter criado todos os princípios exatos e superiores das leis na natureza. Mas questiona: o que fazer com essas evidências? Ele mesmo responde: cada um decide. O mais importante para ele é que essas evidências apontam para um Deus que se preocupa com as pessoas. Por isso, diz, “o deísmo não serviria para mim”. Mas, apesar disso, quão difícil é construir uma ponte para Deus! Collins pensa que a oração é essa ponte, uma forma de buscar afinidade com Deus, de perceber seus pontos de vista.

Collins reflete sobre a consciência de sua incapacidade de fazer a coisa certa e, aprofundando esse raciocínio, em determinado ponto finalmente chegar ao conceito de  “pecado” e relata como foi difícil assimilar essa palavra que sempre lhe parecera antiquada, vulgar e taxativa. Pecado fala de nossa natureza imperfeita diante da perfeição de Deus! Onde a cura?  É então que ele chega a Cristo! Collins descreve todo o processo de pensamento, angústias e buscas até o momento em que ajoelha-se e se rende a Cristo. “O cientista que havia em mim se recusava a ir mais naquela trilha rumo a uma crença cristã”.  É uma passagem longa onde ele chama mais uma vez C. S. Lewis em seu socorro. Fala de suas dúvidas a respeito da autenticidade do texto bíblico. “Talvez Cristo fosse apenas um grande mestre espiritual”.  Mais uma vez Lewis o adverte: Ou Cristo é Deus ou um lunático, porque só um louco diria de si mesmo ser filho de Deus. Não há a menor chance de Cristo ter sido um mestre espiritual.  Collins chega à percepção do mistério da encarnação de Cristo e à aceitação desse mistério como uma necessidade teológica: “A revelação especial da natureza de Deus em Jesus Cristo é um componente vital da minha fé”.

Collins, no entanto, procura se distanciar do tom arrogante, taxativo e hipócrita que, segundo entende, caracteriza os cristãos. “Cristo jamais foi assim”. Narra a parábola do Bom Samaritano para ilustrar o quanto Jesus valorizava o mandamento maior de “amar ao próximo”. Adverte, contudo, que, sendo a fé não apenas uma prática cultural e sim a busca de uma verdade absoluta, não devemos nessa busca ir tão longe a ponto de afirmar que todos os pontos de vistas conflitantes são igualmente verdadeiros.  “O monoteísmo e o politeísmo não podem ambos estar certos”. Em outras palavras, advoga o respeito a outras tradições religiosas e vê valor nelas, mas entende que, se para si o cristianismo responde absolutamente, cada pessoa deve realizar sua própria busca. 

Procura, e acharás.  Com esse tópico Collins tenta resumir a busca de significado para a vida. A ciência é o único caminho para investigar o mundo natural. Apesar disso a ciência não responde a todas as questões importantes. A ciência não é a única forma de aprender. Seus instrumentos são limitados. A dimensão espiritual, a alma humana, lhe escapa. A declaração dos ateus de que aquelas questões principais (Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos?) são irrespondíveis e, portanto, irrelevantes, não condiz com os anseios humanos.

Collins faz em seguida algumas advertências: 1-Aos que acreditam em Deus: acalmem-se; Deus não pode ser ameaçado pela nossa mente minúscula em seus esforços para compreender Sua criação. A ciência pode ser uma forma de adoração. Cuidado para não fazer a igreja cair no ridículo (lembrem de Copérnico). 2-Aos cientistas: têm medo de a fé parecer irracional? De todas as visões de mundo possíveis a ateísta é a menos racional. Não entende o problema do sofrimento humano se Deus é bom? Num mundo onde gozamos de livre arbítrio o sofrimento é inevitável e a maior parte dele decorre do exercício desse livre arbítrio. Embora seja difícil compreender, a ausência total de sofrimento não favorece ao nosso crescimento intelectual. A incapacidade da ciência em responder todas as questões parece-lhe um frustrante soco no estômago? Esse soco precisa ser reconhecido, assimilado e aprendido. Pensa que a espiritualidade pode ser escravizante?  Deus está no ramo da libertação e não da carceragem. Por fim não tente adiar uma reflexão séria sobre Deus. A vida é curta.

Finalizando Collins apela para ambos os lados do conflito ciência x fé. É hora de uma trégua. Esse conflito, iniciado e mantido por extremistas de ambos o lados, nunca foi de fato necessário. A ciência não é ameaçada por Deus, mas aprimorada. Deus não é ameaçado pela ciência: ele a possibilitou.  “Por isso busquemos juntos recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre a intelectualidade e a espiritualidade de todas as grandes verdades”. O futuro do nosso mundo depende disso.  

No apêndice do livro Collins faz uma discussão sobre os desafios da prática da moral na ciência e na medicina, a Bioética. 


Fui.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Razões por que acredito que Renato Vargens não entendeu Caio Fábio na questão do sexo antes do casamento


Em novembro/2013 começou uma polêmica na internet com repercussões nas redes sociais acerca do tema sexo antes do casamento.

Tudo começou com um pequeno vídeo, com menos de 6 minutos, onde o Pastor Caio Fábio responde a um e-mail de um jovem que diz que depois de um ano de namoro passou a fazer sexo com a namorada e pergunta, “isso é pecado”?

No vídeo Caio, sempre provocador e direto, faz algumas afirmações que despertaram reações as mais contraditórias. Há os que entendem que ele estressa o conceito da Graça de Cristo e torna-a banal. Outros que ele recupera o seu significado como numa nova reforma. Muitas acusações e julgamentos são lançados ao Pastor Caio, tido como relativista, barateador da Graça, falso profeta, réu do inferno, ensinado por demônios, etc.

Em resposta ao vídeo, o Pastor Renato Vargens escreveu no seu blog um texto. E nesse texto chama o Dr. Augustus Nicodemos, um notável teólogo calvinista contemporâneo, em favor de seus argumentos, transcrevendo um de seus textos sobre o assunto.

Como crente, filho de pastor, nascido dentro de um seminário há 57 anos, tendo vivido os bastidores eclesiásticos a vida toda, professor de jovens na igreja que frequento, me sinto desafiado a comentar. 
Tentarei faze-lo sem ferir suscetibilidades e num clima de respeito e honestidade. Conseguirei?  Correrei o risco. Julgue por si.

Farei meus comentários ponto a ponto, em vermelho:

Aqui o link para o post do Pr. Renato Vargens, que por sua vez tem um link para o vídeo em questão.

O post do Pr. Renato Vargens tem por título:

Sexo antes do casamento: razões por que acredito que Caio Fábio esteja errado

Primeiramente parabéns ao Pr. Vargens pelo título: “razões por que acredito que Caio Fábio esteja errado” parte do respeito como pressuposto do diálogo e da não dogmatização de nossos pontos de vistas. Porém, os meus parabéns infelizmente vão limitar-se ao título, por enquanto, por que me pareceu que Vargens foi, no mínimo, tendencioso em sua interpretação do que Caio disse.

O pastor Caio Fábio afirmou a pouco (veja o vídeo abaixo) que não vê nenhum problema no relacionamento sexual entre duas pessoas que se gostam. 

Não, Caio Fábio não disse em nenhum momento que não vê nenhum problema no relacionamento sexual entre duas pessoas que se gostam. Vejam o vídeo.

Na opinião de Caio desde que não haja defraudação na relação, não há problema de que os amantes se envolvam sexualmente. 

Outra vez, não, Caio Fábio não disse isso. Ao contrário, ele alertou o namorado apressado para o risco de defraudação e lançou sobre ele toda a responsabilidade disso. Caio recusou-se a chancelar o “amor” declarado do jovem como “validador” da relação sexual e jogou inteiramente sobre eles a responsabilidade pelo verdadeiro amor, que deve vincular profunda e conscientemente uma relação.  Vejam o vídeo.

Caio também disse que ele, à luz do evangelho, não pode se contrapor àqueles que agem desta forma, mesmo porque, não dá pra se convencionar o que seja casamento.

Mais uma vez, Caio não disse isso. Caio está respondendo àquela carta daquele rapaz. Ele não está fazendo teologia nem defendendo tese. Há uma sutil distorção aqui. Ele não disse que não pode “se contrapor”, a qualquer um que resolva ter sexo antes do casamento. Disse apenas uma verdade elementar: ninguém tem condição de julgar as intenções do coração humano. E afinal, quem pode dizer que qualquer sexo será sempre fornicação? “Eu não sou Deus pra saber quais são as verdades de vocês”, disse Caio. Esse é um ponto nevrálgico, porque vai na essência da coisa: julgar consciências é uma tarefa impossível para qualquer ser humano. O Código de Disciplina da IPB (igreja à qual pertenço), logo no seu Artigo 1º reconhece esse princípio: “Art.1º - A Igreja reconhece o foro íntimo da consciência, que escapa à sua jurisdição, e da qual só Deus é Juiz; mas reconhece também o foro externo que está sujeito à sua vigilância e observação.”. Então, todo juízo humano é exterior e, portanto, precário. Pode ser que aquele jovem esteja apenas fornicando, sim. Mas pode ser que não. Quem vai dizer com certeza? Quem pode julgar suas intenções profundas, o grau de seu amor e de sua fidelidade? Um papel num cartório garante alguma coisa? Fosse assim nenhum casamento civil-religioso se desfaria. Quem pode dizer se um casal que transou antes da validação civil será infiel? Ou fiel pra sempre? Caio está, a meu ver, corretíssimo: não dá pra validar um casamento com base em qualquer outra coisa que não seja o imponderável amor que reside no foro da consciência e do coração. Ponto. A igreja não tem nem nunca pode ter o poder de submeter a consciência, pois esta lhe é inacessível. Jesus tem esse poder. E a Ele ninguém poderá enganar, em hipótese alguma. Nem esse jovem e nem outro qualquer. Em vez de responder simploriamente à pergunta daquele jovem “Caio, eu estou em pecado?”, Caio devolve a pergunta: “Você está?”.  Me parece que foi nessa direção a argumentação de Caio.  

Pois bem, diante do exposto gostaria de enumerar 04 motivos porque considero que o ensino de Caio Fábio esteja equivocado:

(Fiz questão de transcrever todos os textos citados para melhor análise dos leitores)

1- Em 1 Coríntios 7:8,9, Paulo orienta a igreja dizendo que é melhor para o solteiro se case do que viver abrasado. 

Porque quereria que todos os homens fossem como eu mesmo; mas cada um tem de Deus o seu próprio dom, um de uma maneira e outro de outra.
Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom se ficarem como eu.
Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se.
1 Coríntios 7:7-9

Ensino corretíssimo. Casar é o projeto de Deus para o homem. Mas, por acaso, no vídeo, Caio está ensinando o contrário? Está ensinando a libertinagem, a fornicação, o sexo sem compromisso, o sexo como resposta ao abrasamento? Melhor transar do que viver abrasado? Caio apenas diz que não pode afirmar que a ausência dos validadores sociais torna por si só pecaminoso o sexo entre dois jovens que supostamente se amam.  Tem mais variáveis nessa equação.

2- A Bíblia não permite relações sexuais fora do matrimônio (1 Coríntios 6.18-7.2) e condena a imoralidade como um pecado que afronta a santidade do Senhor.

Fugi da fornicação. Todo o pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que fornica peca contra o seu próprio corpo. 1 Coríntios 6:18
Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher;
Mas, por causa da fornicação, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido 1 Coríntios 7:1-2

Se fosse bom que o homem não tocasse em mulher Deus não a teria feito e dito que era muito bom. Também o casamento não é um remédio contra a fornicação e se fosse assim seria uma tragédia. O casamento monogâmico é o propósito santo de Deus para a humanidade, seja ela cristã ou não.
Certamente o ensino paulino aqui tem um contexto e já li muitas explicações teológicas sobre uma época de perseguições religiosas graves em que as normalidades da vida estariam comprometidas. A meu ver esses textos não servem para criticar o que Caio disse em seu vídeo, como pretende Vargens, porque Caio, em nenhum momento os contradiz. Caio não sancionou uma suposta fornicação daquele jovem nem a de qualquer outro. Pelo contrário, ele lança o repto e deixa a questão no ar, para que o próprio jovem se pergunte se não estaria apenas fornicando. “Em momento algum a defraude”, afirma Caio.

3-  Deus instituiu o casamento para a nossa felicidade, plenitude e segurança, e que este deve ser honrado por todos. Na Bíblia existem inúmeros versículos que declaram o sexo antes do casamento como sendo um pecado (Atos 15:20, 1 Coríntios 5:1; 6:13, 18; 10:8, 2 Coríntios 12:21, Gálatas 5:19, Efésios 5:3; Colossenses 3:5, 1 Tessalonicenses 4:3; Judas 7).

Mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da fornicação, do que é sufocado e do sangue. Atos 15:20

Geralmente se ouve que há entre vós fornicação, e fornicação tal, que nem ainda entre os gentios se nomeia, como é haver quem possua a mulher de seu pai. 1 Coríntios 5:1

Os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos; Deus, porém, aniquilará tanto um como os outros. Mas o corpo não é para a fornicação, senão para o Senhor, e o Senhor para o corpo. 1 Coríntios 6:13

Fugi da fornicação. Todo o pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que fornica peca contra o seu próprio corpo. 1 Coríntios 6:18

E não nos forniquemos, como alguns deles fizeram; e caíram num dia vinte e três mil
1 Coríntios 10:8

Que, quando for outra vez, o meu Deus me humilhe para convosco, e chore por muitos daqueles que dantes pecaram, e não se arrependeram da imundícia, e fornicação, e desonestidade que cometeram. 2 Coríntios 12:21

Todos os textos citados tratam de fornicação. O que todos estes textos afirmam não é, como diz Vargens, que “sexo antes do casamento é pecado” e sim que fornicação é pecado. O que Caio diz em seu vídeo é que não é possível afirmar que qualquer jovem que tenha sexo antes dos validadores sociais do casamento está simplesmente fornicando. É dura essa afirmação. Fere o poder da igreja, dos pastores, dos líderes.

“Que absurdo! Rompeu-se a corda! Agora a juventude cristã está liberada pra a libertinagem, para o desregramento, porque vai ficar a critério da consciência de cada um. Não vale mais o que a Bíblia ensina. A consciência, pecadora, fraca, até mesmo cauterizada, passou a ser o critério da verdade. Caímos no relativismo. A igreja está perdendo o poder de regular os comportamentos. Os pastores não podem mais admoestar a juventude!”.

Não penso assim mas respeito e compreendo quem pensa. De minha parte acredito que o poder do Evangelho se evidencia quando todas as normas e regras falham. Quando a grade está aberta e o preso responde “não te faças nenhum mal que todos estamos aqui”. Quando o taxista encontra a pasta com um milhão e vai devolvê-la. Quando ouvimos o barulho da água no quintal e não vamos olhar por cima do muro se há uma mulher banhando-se. Quando descobrimos um podre de alguém e, em vez de expô-lo, retemos. Regras não têm nenhum poder contra a sensualidade. Isso é bíblico. Porque é mais fácil regular o mal comportamento do que gerar bons comportamentos. Toda regra e lei tem caráter punitivo.

A Igreja tem competência para julgar as exterioridades sim. É um caminho bom e correto. Mas o caminho melhor é aquele da grade aberta, da ausência do vigia, do não faço porque não quero (não só porque é pecado), da intenção santa no coração, da árvore boa que produz bons frutos, da fonte que produz águas doces e não amargas. Pode isso ser apenas bonito em teoria e duro na prática, mas é o que devemos almejar. Se queremos cristãos maduros essa é a linha a seguir, no meu modo de ver.

4- As Escrituras ensinam que o sexo entre o marido e sua esposa é a única forma de relações sexuais que Deus aprova (Hebreus 13:4). O texto bíblico ensina que  o leito conjugal, deve ser conservado puro e sem mácula e que o Senhor julgará os imorais e os adúlteros."

Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará. Hebreus 13:4

Outra vez um versículo é usado aqui para imputar falha ao pensamento de Caio. Mas o que ele disse em seu vídeo foi justamente isso: “Deus julgará”. Caio se disse impossibilitado de julgar sumaria e taxativamente o pecado daquele jovem com base apenas no que ele informou no e-mail. “Eu não sou Deus”. Mas não deixa solta a questão. O jovem é admoestado solenemente, chamado à responsabilidade. “Não vou dizer que é amor, para não ser leviano...”,  “Se é amor, só vocês podem saber...”. “O tempo vai provar..”, “Nunca a defraude...”, “..nunca faça isso com mulher nenhuma...”. 

Quanto a relativização do casamento comum aos dias de hoje reproduzo parte de um artigo publicado pelo meu amigo Augustus Nicodemus que fez alguns comentários extremamente interessantes sobre o casamento os quais concordo plenamente e compartilho abaixo:

1) Relações sexuais diante de Deus não é bem o conceito de casamento que encontramos na Bíblia. O quadro que temos é muito mais complexo. Envolve responsabilidade pública e legal, pois tinha a ver com a herança e a proteção da esposa e os direitos dos filhos. Quando não há um compromisso oficial, mas apenas um viver juntos, como se pode falar em adultério, divórcio, herança de filhos, propriedade de terras, sustento para a desamparada, etc.? 

Bem, a lei civil está se desenvolvendo a fim de salvaguardar essas garantias no caso da união estável de sorte a, nesses aspectos, equipará-la ao casamento tradicional. Já há uma certa caminhada nessa direção e em poucos anos, pode estar certo, amigo leitor, não haverá qualquer diferença. O casamento civil socialmente aceito tende a migrar para o modelo menos formal e passar cada vez mais da esfera dos pais para a dos filhos. É um movimento natural e humano, sujeito ao pecado, como o é o casamento tradicional e tudo mais que diz respeito à nossa humanidade. Num ou noutro sistema o que fará a diferença é o amor ou a falta dele, o bom ou o mal caráter, as verdadeiras intenções e interesses, coisas que são do império da consciência, sem outra garantia que aquela assegurada ou pela graça comum ou pela graça especial (teologicamente falando).  

2) Israel era uma teocracia, isto é, Estado e Igreja estavam juntos. As festas de casamento representavam a legalização “civil” da união. Hoje, nas modernas democracias, o estado é laico, e não se precisa da cerimônia religiosa, e sim a legalização pelo poder público. Igreja não casa, pastor não casa, padre não casa. Quem casa é o juiz, representando o Estado. A Igreja faz um culto e invoca a bênção de Deus sobre o casal. No chamado “casamento religioso com efeito civil,” o pastor está agindo como se fosse o juiz, tudo acertado antes no cartório, e ratificado depois, senão perde a validade.

Ok., se a questão é a legalização pelo poder público, Caio tem razão ao relativizar os elementos culturais validadores do casamento. Ou não? Se, como diz o Dr. Nicodemus, “Igreja não casa, pastor não casa, padre não casa, quem casa é o juiz”, então esse mesmo “juiz” (lei civil) que casa no cartório agora passou a validar como casamento, para fins de direitos, a união estável. Se a validação pelo Estado é o critério para a Igreja, para o pastor ou para o padre (como sugere o Rev. Nicodemus), a consequência lógica é elementar. Eu discordo. Acho que quem casa de fato e de verdade é sim o pastor ou padre ou o religioso quem quer que seja, pois pelo menos está obedecendo a um princípio divino superior, seja ele cristão ou pagão (vide C.S.Lewis). O que o Estado faz é regular direitos, deveres e proteger inocentes. Pra mim o casamento verdadeiro é o religioso. Se a igreja se colocou a reboque do cartório, por uma questão histórica e circunstancial, no decurso do desenvolvimento do estado laico, obriga-se então a ficar também a reboque do juiz que decreta a união civil. De minha parte defendo que não deva ficar a reboque de nenhum deles. Creio que é chegado o tempo de a igreja recuperar sua autonomia religiosa em relação ao casamento entre um homem e uma mulher.

3) O “casamento” de Adão e Eva não pode ser tomado como padrão para a humanidade. Eles nem tinha umbigo! Não havia ainda estado, igreja, sociedade, pessoas. O que aprendemos com o episódio é que a vontade de Deus que a humanidade se organize em famílias, compostas de um homem e de uma mulher, e que vivam unidos para sempre, criem seus filhos e dominem a terra. A legalização e a oficialização disto é uma decorrência natural e lógica quando o pecado entrou no mundo e apareceram outras mulheres e outros homens, a luta pelas terras e propriedades, o egoísmo do homem que desampara a mulher depois de abusar dela, e assim por diante. Por este motivo encontramos leis sobre divórcio, leis sobre herança de filhos, leis sobre os filhos de uma mulher que não é a esposa legítima, etc. etc.

Perfeito, é da vontade de Deus que a humanidade se organize em famílias, compostas de um homem e de uma mulher, e que vivam unidos para sempre, criem seus filhos e dominem a terra. Depois da queda restou regular isso de alguma forma, num mundo pecador. Atualmente o estado laico se encarregou dessa atribuição pela própria natureza das coisas. O que fica para a Igreja é o princípio de origem, a vontade de Deus e essa continua a ser do domínio da consciência, das intenções, qualquer que seja a fórmula validadora. E é nessa direção que aponta a fala de Caio, pelo que entendi.

4) É evidente que as festas de casamento, com véu e grinalda, etc. são coisas absolutamente culturais e que mudam de acordo com os tempos e épocas. O que vale é que aquele momento em que os dois, diante do representante do governo (pode ser o pastor fazendo o casamento com efeito civil), prometem fidelidade, suporte, apoio e amor mútuos até que a morte os separe e assinam o contrato, que haverá de garantir os direitos deles e dos filhos, para o bem da sociedade e da família. Era isto, guardadas as devidas proporções, que acontecia nos tempos bíblicos em Israel, com os patriarcas fazendo as vezes, e depois os sacerdotes, juízes, anciãos, etc.

Então, “o que vale é aquele momento dos dois, diante do representante do governo”? Fala sério! O que vale, Reverendo, o que vale de verdade é a consciência do cidadão pecador, cristão ou não, as verdadeiras intenções e interesses. Se for cristão, maior ainda a responsabilidade e o compromisso. No juiz ou no pastor ou no padre ou seja diante de quem represente por mandato a lei civil, nada garantirá a verdade de um casamento entre um homem e uma mulher senão as garantias espirituais ou morais que estão no império inviolável da consciência, quaisquer que sejam os validadores civis, legais ou culturais, união estável incluída.

5) União civil não é casamento, mas um mecanismo para garantir os direitos dos que vivem juntos a um tempo, como se casados fossem.  

Isso é, a meu ver, apenas um jogo de semântica para despistar o real ponto em questão. Muitos casais em união estável há anos, com famílias criadas e bem estruturadas estão aí. Alguns aproveitam as campanhas do judiciário (casamentos comunitários) para “legalizarem” seus casamentos, pois ainda resta a noção da superioridade do casamento tradicional. Mas isso é apenas uma memória cultural. Os que buscam essa via estão dizendo a si próprios e ao mundo que seus casamentos foram e são “de verdade”, e se para isso for ainda necessário o papel do cartório como “prova legal”, que seja! No entanto a verdade do casamento independe dessa prova, tanto que muitos permanecem na união estável e vivem seus casamentos fiéis até a morte. A fidelidade e o amor jamais poderão ser garantidos por um contrato. O contrato é apenas um regulador civil de direitos e obrigações. E a lei evoluiu para dispensar sua formalidade e considerar os fatos para fins da proteção e regulação desses direitos. Se o Estado, pela lei civil, humana, limitada e falha, resolve acolher a decisão de foro íntimo, priorizando a vontade de um casal que supostamente se ama deveria, na minha opinião, a Igreja valorizar ainda mais esse foro, para onde convergem os apelos da Graça de Jesus pela resposta voluntária dos conversos transformados por esta mesma Graça.

Concluo essa breve reflexão lembrando de Paulo que ao escrever a Timóteo disse:  

 "... Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento..." (1Tim 4.1-3).  

O versículo foi pinçado e truncado. Será que haveria aqui uma sutil insinuação de que o Pr. Caio estaria associado à categoria dos apóstatas, dos que obedecem a demônios, dos hipócritas, dos mentirosos, dos que têm a consciência cauterizada e dos que proíbem o casamento?  Quero crer que não, mas, sinceramente, sou tentado a achar que sim.   

Que Deus nos livre deste relativismo que tanto mal tem feito a igreja brasileira. 

Que Deus nos livre de julgamentos dessa natureza.

Pense nisso! 

Pense nisso!

Renato Vargens 

Faustino Junior.




sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Linguagem da Vida - Parte XI






Minhas anotações sobre o livro “A Linguagem de Deus”, de Francis Collins – Parte XI

Chegamos ao capítulo 10, penúltimo da terceira parte do livro. Collins fala de sua posição com respeito à ligação que lhe parece perfeita entre a teoria darwiniana e a fé cristã.

Como bom cientista Collins não pode ir contra o darwinismo e o acata sem qualquer restrição. Diz que nunca se preocupara realmente com o conflito fé x ciência até chegar ao estudo do genoma. Foi aí que percebeu, conforme afirma, um plano em detalhes do Todo Poderoso que trouxe o universo à existência e estabeleceu seus parâmetros de forma precisa. Collins chama isso de ET “Evolução Teísta”. Significa simplesmente pôr Deus, não nas lacunas, mas no início de todo o processo. Ele faz um resumo conceitual da ET:  1-O universo surgiu do nada, há aproximadamente 14 bilhões de anos. 2-Apesar das improbabilidades incomensuráveis, as propriedades do universo parecem ter sido ajustadas para a criação da vida. 3-Embora o mecanismo exato da origem da vida permaneça desconhecido, uma vez que a vida surgiu, o processo de evolução pela seleção natural permitiu o desenvolvimento da diversidade biológica e da complexidade durante espaços de tempo muito vastos. 4-Tão logo a evolução segui seu curso, não foi necessária nenhuma intervenção sobrenatural. 5-Os humanos fazem parte desse processo, partilhando um ancestral comum com os grandes símios. 6-Entretanto dos humanos são exclusivos em características que desafiam a explicação evolucionária e indicam nossa natureza espiritual. Isso inclui a existência da Lei Moral e a busca por Deus, que caracterizam todas as culturas humanas.

Collins diz que esse ponto de vista é totalmente compatível com o que a ciência nos ensinou sobre o mundo natural e também totalmente compatível com as grandes religiões monoteístas.   Diz que a ET, ao contrário do DI, não se coloca como ciência. Sua verdade só pode ser testada pela lógica espiritual do coração, da mente e da alma. “A crença em Deus sempre exigirá um salto de fé”.

Ao tentar explicar o porque de a ET não ser largamente aceita entre os cientistas teístas ele reconhece o poder das Nomenklaturas científicas e teológicas. Parece melhor a muita gente não se expor às críticas desses opostos. Diz também que a ET harmoniza fé e ciência e por isso não goza de apelo midiático porque a harmonia é chata; a mídia vive de conflitos.  Collins cita alguns religiosos influentes que deram passos na direção da ET, ressaltando os papas Pio XII e João Paulo II.  

Collins faz algumas digressões dobre o nome dessa via, “Evolução Teísta”. Acha que é terrível. Então, depois de algumas elucubrações, cunha uma nova expressão para rebatizá-la: BioLogos, a união da biologia com o Logos, o verbo divino. BioLogos expressa a crença de que Deus é a fonte de toda a vida e a vida expressa a vontade de Deus.

Em resumo a BioLogos parece afirmar a evolução é o método criativo de Deus para a vida e que provavelmente já existiriam outros humanos na terra quando Deus “criou” a alma humana em Adão e Eva.

Porém Collins reconhece que as maiores resistências à BioLogos veem do campo religioso: difícil aceitar que Deus executou a criação por meio de um processo tão aleatório, potencialmente insensível e ineficiente como a evolução darwiniana. Se pudéssemos rebobinar o processo evolutivo retrocedendo-o a várias centenas de milhares de anos e depois o soltássemos o resultado seria completamente diferente do atual. O ser inteligente poderia ser bem diferente do homem como o conhecemos. Poderia mesmo ser um réptil. Collins diz que “a imagem e semelhança” relatada na Bíblia não se refere à anatomia física especificamente, pois Deus não tem corpo. Como Deus está fora do tempo ele já sabia que o processo evolutivo, mesmo aleatório, resultaria no homem. A aleatoriedade do processo só preocupa a nós que estamos presos ao tempo linear, afirma.

Mas o empecilho maior para a aceitação da BioLogos, segundo Collins, é o aparente conflito entre a evolução e os textos sacros de criação em Gênesis 1 e 2. Ou esses relatos descrevem um ato de criação milagrosa aplicado a um casal histórico, diferente de todas as criaturas que já caminhavam sobre a terra ou são uma alegoria da entrada da natureza espiritual (a alma humana) e da Lei Moral em um reino antes desprovido delas. Collins acredita que as duas opiniões são intelectualmente sustentáveis, diante da possibilidade de um Deus sobrenatural. Recomenda cautela em fechar posição sobre esse tema polêmico que já perdura por três milênios de história religiosa. Evoca novamente C. S. Lewis que achava que a narrativa de Gênesis lembra mais uma lição moral do que um livro científico ou uma biografia.  

O texto citado de Lewis é duro: “Durante longos séculos Deus aperfeiçoou a forma animal que estava para se tornar o veículo da humanidade e a imagem dele”. Lewis segue dizendo que essa criatura pode ter existido nesse estado durante eras, antes de se tornar homem, usufruindo de certa inteligência, contudo era só um animal. Então, segundo Lewis, na plenitude do tempo, Deus transmitiu a esse organismo um novo tipo de consciência que podia dizer “eu”, que conhecia Deus e que podia opinar sobre a verdade, a beleza e a bondade.  Quantas dessas criaturas Deus teria produzido? Quanto tempo permaneceram no estado paradisíaco? “Não sabemos”, diz Lewis. Pelo visto, para Lewis, Adão e Eva representariam uma raça, um povo, e não dois indivíduos. Em algum momento aconteceu a Queda, que, para Lewis, é um mistério: “Não temos a menor ideia de qual ato ou série de atos em particular gerou o desejo impossível, que se contradizia”. Comer o fruto proibido é apenas uma expressão literal que não tem a menor importância.

Ou seja, parece que Lewis já partilhava da BioLogos bem antes de Collins, mas sua compreensão parece ser a de que Deus conduziu o processo evolutivo na direção do homem como animal mais complexo e que, no tempo próprio infundiu nele os atributos que o distinguem de todos os outros animais: consciência e fundo moral. Já Collins mantém a aleatoriedade do processo evolutivo e diz que Deus viu o seu resultado futuro aleatório (homem) e então trabalhou nele para torna-lo um ser moral e espiritual.

Eu, que aprecio grandemente C. S. Lewis, confesso-me surpreso com essas suas concepções. Não sei o que dizer. Parece um acerto de contas com reducionismo materialista. Se Deus é Todo Poderoso como se afirma, por que Ele não poderia ter criado tudo de uma vez – as principais espécies, não todas as que conhecemos hoje – deixando-as ao comando da evolução a partir daí? E depois criado o homem?  Mas, deixa. Sigamos.

Collins alerta para o perigo do liberalismo mas diz também que o fundamentalismo literal pode ser tão perigoso quanto. Diz que alguns textos como as histórias de Jó, Jonas e Adão e Eva não possuem marcas históricas suficientes e devem ser interpretados figuradamente.


Collins finaliza reafirmando a superioridade da BioLogos como alternativa consistente e intelectualmente rigorosa, que permite que a fé e a ciência fortaleçam uma à outra como pilares inabaláveis do edifício da Verdade.  Alerta para o perigo de escolhas excludente entre a fé e a ciência: são desnecessárias e ambas negam a verdade. “O Deus da Bíblia é também o Deus do genoma. Pode ser adorado na catedral e no laboratório”. 


No próximo capítulo Collins vai falar de sua experiência pessoal com a religião cristã e de seu encontro com Cristo.  E vai dar uma mensagem final a crentes e incrédulos, cientistas ou não.  Té mais.

A Linguagem da Vida - Parte X




Minhas anotações sobre o livro “A Linguagem de Deus”, de Francis Collins – Parte X

Continuamos na terceira parte do livro com o tema: “Fé na ciência, fé em Deus”.  Vamos ao capítulo 9 onde Collins faz sua avaliação sobre o DI – Design Inteligente.

O DI é um assunto nevrálgico nos Estados Unidos, onde mais da metade da população o apoia. Em 2005 o próprio presidente George W. Bush deu seu aval a que fosse ensinado nas escolas públicas americanas. Não colou. O julgamento de Dover (famoso caso em que esse ponto foi discutido e chegou à Suprema Corte) foi desfavorável ao DI. Hoje a comunidade científica americana e mundial tem o DI como um tipo de criacionismo disfarçado e o considera como pseudociência.  Há um diálogo de surdos.

O que é DI? Collins diz que apesar de o DI apresentar-se como teoria científica, não nasceu da tradição científica. Os cientistas não o chamam de teoria pois seria admitir que é ciência. Consideram-no apenas um movimento de criacionistas na busca de reconhecimento científico. Collins faz um breve histórico do surgimento do DI há 15 anos (na verdade há pouco mais de 20 anos agora, já que surgiu em 1991).  Credita a fundação do movimento a Philip Johnson, um advogado cristão da Universidade da Califórnia, em Berkeley. A obra inaugural do DI teria sido o livro de Johnson “Darwin on Trial” (Darwin em julgamento). Cita a obra de Michael Behe, “Darwin´s Black Box” (A Caixa Preta de Darwin) que trouxe o argumento da “complexidade irredutível”. Cita o matemático William Demsbki como liderança expressiva do movimento. Pejorativamente os cientistas chamam o DI de “Criacionismo 2.0”. Mas Collins tenta salvar a pele dos DI-ístas: “De minha perspectiva como geneticista, biólogo e pessoa que crê em Deus, esse movimento merece sérias reflexões”.

Collins resume as proposições do DI segundo seu ponto de vista: 1) a evolução gera uma proposta de mundo ateísta e, portanto, aqueles que creem em Deus devem se opor a ela; 2) a evolução tem fundamentos falhos pois não pode justificar a complexidade da natureza; e 3) a complexidade irredutível aponta para um planejador inteligente, necessário para dar start ao curso da evolução. 

Apesar de o DI tomar cuidado para não apontar qual seria esse planejador Collins acha que os documentos internos do Instituto Discovery, criado para divulgar o DI, provam tratar-se de um movimento que visa combater o materialismo e defender uma compreensão teísta da natureza, com uma vertente cristã, haja vista ser essa a religião de suas principais figuras. E não está sozinho nesse pensamento: é o que a comunidade científica oficialmente considera. Collins chega a ironizar o DI como “filho ilegítimo e rebelde” de Dawkins & Cia Ltda., ou seja, seguiria na mesma linha fundamentalista, só que em polo oposto.   

Para Collins o argumento fundamental do DI, a complexidade irredutível, de Behe, parece ser apenas o velho relógio de Paley em linguagem bioquímica, genética e matemática.

Collins elenca as principais objeções que os darwinistas fazem ao DI, o que, segundo pensa, faz o DI permanecer com pouca credibilidade científica. Os defensores do DI acham que trata-se apenas de preconceito, mas para Collins não é bem assim: 1) o DI não consegue qualificar-se como teoria. Segundo entende o DI não olha para a frente, mas apenas para trás e leva a ciência a um beco sem saída. Só com uma máquina do tempo, diz, a teoria do DI poderia ser verificada. 2) o DI não fornece nenhum mecanismo pelo qual as supostas intervenções sobrenaturais gerariam a complexidade. Criticando a ideia de Behe, da suposição de um carregamento prévio de informações genéticas responsável pela complexidade futura dos organismos primitivos, Collins diz que seria extremamente improvável tal suposição, de acordo com o conhecimento científico atual. No ponto principal da tese do Design acredita que a ciência está descartando os exemplos de complexidade irredutível de Behe com demonstrações de que essa complexidade é perfeitamente plausível com o processo evolutivo mediante o recrutamento de mais elementos num processo em cascata, seja para a coagulação do sangue, seja para o flagelo bacteriano ou para o olho humano, exemplos muito caros ao DI. Collins chama à cena o argumento preferido dos darwinistas, os tais milhões e milhões de anos do lentíssimo processo evolutivo, adaptativo, suposição essa que os evolucionistas consideram inatacável, que justifica e suporta toda a teoria darwiniana.

Collins cita Darwin, que admitia francamente que se fosse demonstrado que qualquer órgão complexo pudesse ser formado sem o processo longo e gradual de sutis modificações a teoria da evolução seria destruída. Então encerra a questão com a afirmação peremptória do grande naturalista: “Mas não encontro semelhante caso”.  Ponto.

Depois de martelar cientificamente o DI Collins parte para desconstruí-lo como teologia. Começa com o velho argumento do “Deus das lacunas”: as lacunas percebidas na evolução e que o ID pretende preencher com Deus estão sendo preenchidas pelo avanço da ciência. Também, segundo ele, o Deus Todo-Poderoso é retratado no DI como um “Criador Trapalhão”, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências de seu próprio projeto original. Não seria essa a melhor imagem de inteligência que os que tem fé esperam de seu Deus.

Collins diz que é compreensível a grande aceitação do DI por parte dos evangélicos norte-americanos, mas acredita ser essa uma resposta direta ao ateísmo militante vinculado à evolução por parte de “alguns evolucionistas”. Mas, segundo ele, o navio do DI “não se dirige à terra prometida mas sim ao fundo do mar”.

Assim, apesar de Collins ter dito que, de sua perspectiva, o movimento do DI merecer sérias reflexões, vemos que todas as suas reflexões são no sentido de simplesmente descarta-lo como não científico e teologicamente pobre. Collins mostrou-se totalmente darwinista em sua crítica ao DI.


Encerrando o capítulo Collins afirmando que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para a busca da verdade harmonizadora do conflito fé x ciência. Qual seria?  Ele vai dizer no próximo capítulo.

sábado, 5 de outubro de 2013

A Linguagem de Deus - Parte IX



Minhas anotações sobre o livro “A Linguagem de Deus”, de Francis Collins – Parte IX






Continuamos na terceira parte do livro com o tema: “Fé na ciência, fé em Deus”.  Vamos ao capítulo 8 onde Collins faz sua avaliação sobre o Criacionismo.

Ele inicia lamentando o desgaste do termo “criacionismo”. (Aliás, a meu ver, tem sido comum que adjetivos transformem-se em substantivos: igreja “católica”, igreja “evangélica”, igreja “universal”. Acontece o mesmo com o criacionismo e essa palavra passou a ter conotação pejorativa no meio científico. É um verdadeiro palavrão. Dawkins chegou a decidir que nunca mais debateria, conversaria nem mesmo daria entrevistas a criacionistas).

Collins “cai matando” no “Criacionismo da Terra Jovem” (YEC em inglês), aquele que tem uma leitura da criação em dias de 24 horas, da idade de 10 mil anos para a terra, da criação por Deus de todas as espécies, da criação por Deus de Adão e Eva no Paraíso. Diz que o YEC alega que a evolução é uma mentira - não é; que o cálculo de idade por radiação é falho - não é; que a segunda lei da termodinâmica anula a evolução - não anula; que os homens conviveram com os dinos – não, os dinos foram extintos milhares de anos antes do homem aparecer no cenário; que os “elos perdidos” nunca foram encontrados simplesmente porque não existem - existem e muitos foram encontrados; que a universalidade do DNA é prova de que Deus criou a vida com uma base comum – não, é prova de que a vida evoluiu de um ancestral comum; que a microevolução é aceitável mas não a macroevolução (uma espécie transformar-se em outra). 

Collins não deixa margem para negociações: o YEC é totalmente incompatível com a ciência pelo que se sabe hoje. Caso as alegações do YEC fossem verdadeiras ciências como a química, a física, a biologia, a geologia e a cosmologia seriam totalmente destruídas. O YEC é tão absurdo, segundo Collins, como 2+2=5.  Diz que é quase incompreensível ser esta visão defendida por cerca de 45% da população de um país tão desenvolvido cientificamente como os States. Talvez por respeito, reconhece a sinceridade dos religiosos defensores do YEC, mas credita-a ao medo que eles têm de que a ciência venha a destronar Deus, ou simplesmente a um fundamentalismo cego e ilógico.

Collins é contrário a interpretações literais do Gênesis. Diz que isso não é necessário à fé cristã. Diz que nunca houve consenso cristão sobre o tema, mesmo séculos antes de Darwin. Chama Santo Agostinho em defesa de uma leitura alegórica de Gênesis 1 e 2. Diz que o literalismo de hoje parece ser mais uma reação ao darwinismo do que matéria de fé. Cita várias passagens bíblicas onde a leitura literal cria dificuldades. Volta a questionar o medo dos fundamentalistas com o mesmo argumento de capítulos anteriores: se Deus existe mesmo e é mesmo onipotente, poderia a ciência destruí-lo?  Collins critica mais duramente o YEC por ter criado argumentos absurdos em sua defesa, como o de que Deus teria criado todas essas provas falsas que a ciência está encontrando apenas para despistar, confundir os incrédulos e testar a fé dos crentes. Segundo ele o YEC chegou ao suicídio intelectual, seja como ciência, seja como teologia, ao elaborar essa imagem esdrúxula de Deus como um trapaceiro cósmico.


Collins termina esse capítulo com um chamado à razão: concorda que é preciso resistir como todas as forças ao domínio do materialismo reducionista, mas não com base em argumentos irracionais.

Assim, ao que parece, para Collins, o Criacionismo também é um palavrão.  Nos capítulos seguintes ele trata do DI (Design Inteligente) e da BioLogos. Suas ideias sobre Adão e Eva ficam mais claras: eles não seriam os únicos seres humanos na terra quando Deus “os criou”. 

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