quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Ao quinto dos infernos com Gondim"



O Pr. Ricardo Gondim é - como se diz - um "quadro" do evangelicalismo brasileiro, escritor, pensador, teólogo, pastor de uma igreja pentecostal moderna e bíblica em SP. Foi articulista na revista evangélica mais referenciada do país - a Ultimato - da qual foi banido recentemente por causa de uma discordância teológica importante.

De repente, por causa dessa opinião teológica e de sua posição quanto à homoafetividade, muita gente se levanta agora para, se possível, trucidá-lo!

E eu acho que é justamente essa reação em série, raivosa, truculenta, nada compatível com a recomendação dos evangelhos, que está corroborando o que afirmou Gondim em artigo recente "Deus nos livre de um país evangélico".

E, quer saber, na minha opinião ele tá coberto de razão. Deus nos livre de um país com  maioria do tipo de "evangélico" que temos em abundância hoje em muitas igrejas.  Quem lê com mais cuidado sua entrevista à revista Carta Capital – gatilho que disparou a reação raivosa dos “evangélicos” – pode observar, sem paixões, que ele faz ponderações interessantes.  Você pode encontrar vários pontos de convergência entre suas análises e os escritos de alguns ex-companheiros que agora, compelidos não se sabe por que sentimentos, o desancam, inclusive com um palavreado nada recomendável.

Gondim diverge do pensamento corrente entre os cristãos evangélicos em alguns pontos, segundo me parece. Mesmo assim, tem muita gente indo rápido demais em decretar (com que poder?) sua condenação ao quinto dos infernos!  Respeito muito o Pr. Gondim e me recuso a chamá-lo de herege. Há toda uma vida de testemunho fiel e trabalho na igreja há mais de 30 anos.

O fato de ele ter posto em dúvida agora a doutrina da soberania de Deus é com certeza surpreendente!  Constrangedor até.  Mas para quem?  Para os teólogos, principalmente! Soou como uma provocação! Uma traição!  “Que é isso, companheiro?!”.  Mas, e daí?  Ele, por acaso, decretou isso? Deus deixou de ser soberano e de estar no controle de tudo só porque o Pr. Gondim falou?  E, por acaso, Deus corre sério risco de cair no descrédito, caso o batalhão de teólogos-advogados de plantão não se arregimente para defender-lhe a reputação?  Coitadinho de Deus! Vamos matar esse Gondim antes que ele acabe com o nosso Senhor!

Ter dúvidas quanto ao controle total de Deus no mundo é compreensível. Sejamos francos: não é fácil encaixar todos os fatos da vida e obter respostas claras e coerentes às questões inquietantes que essa visão impõe. As tentativas de respostas são sempre longas, complicadas, elaboradas, carreadas em pilhas e pilhas de livros e teses que os estudiosos discutem há séculos no seio das academias e depois sintetizam nas escolas dominicais da vida e sistematizam em respostas fáceis nos catecismos.  Mas sempre em tese! Na vida real as respostas fáceis desaparecem!  Diante do caixão da criancinha estuprada ficamos mudos!  

Se formos humildes e deixarmos de nos acalentar com contorções mentais mirabolantes engenhosamente esquematizadas – vontade decretiva, vontade perceptiva, vontade secreta, vontade revelada, lado contrário do bordado, essas coisas que criamos para poder acalmar nossa cabecinha – compreenderemos que nunca compreenderemos!  Apelo ao grito do Apóstolo Paulo: “Quão insondáveis seus juízos, inescrutáveis seus caminhos, quem conheceu a mente do nosso Deus?"

Seria de perguntar também, por acaso, o que é que nos redime: a Graça ou a Teologia? Por que se for esta última, meus caros, tem muita, mas muita gente mesmo, iludida, haja vista as discordâncias teológicas – nada simples, por sinal –  que marcaram e ainda marcam a história da igreja. E quem é que tem autoridade teológica no mundo para DECRETAR a HERESIA de Gondim e CASSAR-LHE a Graça Redentora de Jesus? Eu respondo agora mesmo: ELE, APENAS ELE, O PRÓPRIO GONDIM, no dia em que ele vier a dizer que renega Cristo como o seu único e suficiente Salvador e Senhor. Afora ele, apenas os anjos do Senhor no final de tudo, quando vierem separar o joio do trigo. Enquanto isso não acontecer - e eu não acredito que aconteça - o Pr. Gondim gozará de minha admiração e respeito. Além de tudo, trata-se de um homem decente, correto e íntegro, que, por isso mesmo e por sua folha de serviços, merece uma divergência sadia.

Eu creio na soberania e no controle total de Deus sobre o universo e, em especial, sobre a história humana.  “Até os cabelos da vossa cabeça estão contados”, diz a Bíblia. Porém desisti de tentar uma explicação, tin-tin por tin-tin, como fazem os teólogos, dissecando cada capilar do Altíssimo, ele vivo, e sem anestesia!  Não preciso. Sou um daqueles mudos diante do caixão, transmitindo apenas consolo e esperança com um abraço sentido. Um dia, compreenderei!  Sem essa fé, simples como a de uma criança, correrei o risco de refugiar-me no racionalismo. Esse risco, acredito eu, Gondim pode estar correndo.  Mas não só ele, pois o que são as teologias complexas sobre Deus senão nossas tentativas de torna-lo acessível  à mossa racionalidade?  Imagino o quanto o Criador deve se apiedar de nós nessa nossa ansiedade de perscrutar o seu mistério, inclusive de pessoas como Gondim que têm a coragem de expressar suas dúvidas e inquietações sem renegar em nenhum momento sua fé em Cristo.

Mas, deixando os teólogos de plantão de mão, para o povão o ponto mais polêmico – foco da ira santa dos santos evangélicos – parece focar a posição de Gondim, favorável à união homoafetiva, sob duplo argumento: para fora, o do estado laico e, para dentro, o da não promiscuidade.  Sem querer aprofundar, imagino o cenário daqui há alguns anos, quando a homoafetividade será tão comum que, em nossas próprias famílias, vamos lidar diretamente com ela.  Todos nós, queiramos ou não, vamos, pela convivência, nos acostumar, e pelos laços de sangue, nos apiedar daqueles que sofrem carregando essa condição. Então olharemos pra trás e perguntaremos: cadê a minha indignação?  Quero ver como muitos dos que hoje gritam, irados, irão reagir.

A perguntinha que não quer calar é: a Graça de Jesus será suficiente para cobrir TAMBÉM esse pecado? Muita gente acha que não. Mas a questão é justamente essa.  Já estou ouvindo a resposta: “Não, não! Tem que abandonar!”. Ah, tá, sei, claro, Jesus disse à mulher adúltera  “Vai, e não peques mais”.  Sim, sim, eu lembro, está escrito. Mas, vem cá, tem alguém aí fazendo isso com relação a seus próprios pecados? 

Acredito que seja válida e instrutiva a disputa com Gondim, mas no campo das ideias e concepções, dentro de um clima de respeito, sem enfoque inquisitório. A paixão cega a razão. As lideranças cristãs mais representativas, os pensadores e teólogos brasileiros deveriam aproveitar melhor a ocasião para um debate produtivo e não acionar o trator-rolo-compressor da teologia e da dogmática. Muito menos instigar ao apedrejamento.

Bem, chega por hoje. E como diz o meu irmão Pr. Gondim, Soli Deo Gloria.  Enquanto Seu Lobo não vem!