domingo, 19 de agosto de 2012

Orar e ler a Bíblia. Simples assim!




Acabo de ler um texto do Pastor Ricardo Barbosa, pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto em Brasília. Pastor Ricardo é um velho conhecido. Tive o privilégio de privar com ele quando, nos anos 90, engenheiro da CEMAR, constantemente viajava a serviço para trabalhar no planejamento do sistema integrado de energia elétrica nos escritórios técnicos da Eletronorte. Por vezes ficava meses na capital federal e então, como meu cunhado Wesley Bandeira era presbítero naquela igreja, frequentava-a sempre que estava por lá.  Foi nessa comunidade que vi pela primeira vez a inovação no louvor comunitário ser feita com maestria, excelência e capricho. Não se usavam os tais datashows de hoje. Eram caríssimos. Usavam um retroprojetor – quem se lembra? Os cânticos impressos em “transparências” eram primorosamente encartados em cartolina-guache.  Havia um pequeno mecanismo artesanal para abrir e fechar o foco da luz do retroprojetor nas horas certas. Uma pessoa cuidava com o maior capricho do “acervo”. Havia uma lista classificada por ordem alfabética, os cartões eram numerados e arquivados num pequeno arquivo de metal pintado de preto. No palco um grupo de músicos amadores afinadíssimo e bem ensaiado. As canções selecionadas a dedo, a bateria tocada no ponto certo para marcar e conduzir, sem fazer zoada. Tudo era maravilhoso e culminava com a pregação ungida, inspiradora e vívida do Pastor Ricardo.  Tentei implantar esse modelo de louvor na IPSL: comprei o mini arquivo metálico preto, preparei a primeira centena de transparências encartadas, preparei a lista de cânticos, treinei o pessoal... porém nunca funcionou no mesmo padrão da IP Planalto. Mas essa é outra história.

Também na IP Planalto conheci algumas pessoas com vida e influência espiritual marcante. Além do meu cunhado Wesley, que sempre viveu intensamente a vida cristã desde a juventude, convivi com Rubem Amorese, o Miranda, dona Guiomar. (Também conheci a Delis Ortis, sim, aquela “da Grobo”, que congregava lá).  O contato com essa turma deixou marcas até hoje. A influência de gente assim marca mesmo.   E foi movido pelo desejo de transmitir esse impacto que promovi a vinda deles a São Luís em momentos distintos. Primeiro o Pastor Ricardo veio uma vez para pregar num dos aniversários de nossa IPSL, não lembro mais o ano, mas foi por volta de 1999. Depois vieram para ser preletores de nossos memoráveis Retiros, primeiro Rubem, depois  o Miranda, que era liderança da ABU, e por fim Dona Guiomar, uma senhora de seus 50 e poucos anos, cheia de carisma e de palavra inspiradora.  Infelizmente nosso contato com essa turma da IP Planalto acabou. Nem sei se o Pastor Ricardo lembra de mim. Rubem Amorese teve dificuldade de lembrar na última vez que conversamos. Dos demais não tive mais notícias.

Voltemos ao início. O Pastor Ricardo, anos depois, especializou-se em estudar o fenômeno da espiritualidade. Escreveu vários livros e ministrou inúmeros cursos e palestras, tornou-se uma referência do evangelicalismo brasileiro no assunto.   Talvez por isso, no texto a que me referi no início, o Pr. Ricardo destaque da conversa com John Stot (falecido em 2011) quando este esteve no Brasil em 1989, justamente o tema da espiritualidade, e neste o “feijão-com-arroz” da vida cristã. Quando perguntaram a Stot qual o segredo de seu longo e frutífero ministério ele respondeu simplesmente: “Leio a Bíblia e oro todos os dias, vou à igreja todos os domingos e nunca falto à celebração da Eucaristia”. Ricardo fica radiante, como quem encontra um atestado abalizado para uma tese que defende há muito e não encontra adesão ou não a devida importância. Como numa doce e santa “vingança” Ricardo chama James Houston e A. W. Tozer para juntar-se a ele na defesa dessa prática cristã básica, sempre tão negligenciada diante de tantas ofertas supérfluas de espiritualidade litúrgica fora do quarto, da vida, do dia e da noite.  “As práticas devocionais fazem parte do processo formativo da alma diante de Deus.”, fecha Ricardo. Orar e ler a bíblia diariamente, frequentar a comunidade cristã, participar da Ceia. Simples assim. Por que não fazemos? 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quê que é isso, Reverendo? Ou pra quem é Romanos 7?







Lendo “Santidade”,  obra clássica do Bispo Ryle, bispo de Liverpool (cidade dos Beatles), descubro o quanto os tempos mudaram e continuam os mesmos.  Temos sempre a tentação, quando analisamos nosso tempo, de considera-lo ímpar. É verdade que cada época tem suas singularidades, mas há certos aspectos que nunca mudam com respeito ao gênero humano: sempre inconsequentes, facilmente manipuláveis. Ryle insurgia-se contra o que chamava de “ventos de doutrina”. Vivia-se um contexto de grande fervor espiritual, mas não tão apreciado pelo Bispo. Pregava-se que os crentes já são santos apenas por causa da fé em Cristo, portanto, não precisavam se atormentar com esforços pessoais em busca de um melhor comportamento, pois, perante Cristo, já eram santos. Como consequência, não se dava tanto valor às exortações bíblicas em relação à santidade na vida diária. Contraditoriamente, todavia,  pregava-se que os crentes poderiam alcançar um patamar de santidade plena, ao ponto de viver sem pecar. Como? Através de uma experiência mística marcante e profunda com Deus, uma como que segunda conversão, segunda bênção, pela qual o crente atingiria, de salto, um patamar mais elevando em sua espiritualidade que o capacitaria, por uma presença especial de Jesus em si uma condição superior em relação ao pecado, tornando-se um santo. Para dar base a essa doutrina esvaziavam o conteúdo de Romanos 7, capítulo no qual Paulo descreve a condição do homem depois da queda. Afirmavam que esse texto não se aplicava ao crente convertido e sim somente aos incrédulos. Esse é o ponto que me interessa aqui.

Sempre apliquei esse texto a todos os crentes. “Vejo nos meus membros outra lei, que guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado”. A lei do pecado é justamente o imperativo da queda, que não libera nem mesmo os convertidos.

O Bispo Ryle reconhecia que o assunto havia sido debatido por séculos desde Paulo. Ressalta, todavia, que os melhores expositores em todas as eras da igreja sempre aplicaram Romanos 7 aos crentes em geral, maduros ou não. Contrários a esse entendimento contam-se os católicos, os socinianos (não aceitam a trindade nem a queda) e arminianos (defensores do livre arbítrio). Me alinho com o Bispo. Para mim esse sempre foi ponto pacífico: “de maneira que eu, de mim mesmo, isto é, com a minha mente, sou prisioneiro da Lei de Cristo, e com a minha carne, da lei do pecado”. Claro com água mineral.

O que me surpreendeu agora foi ler recentemente num blog, (http://tempora-mores.blogspot.com.br/search?q=romanos+7) que o Rev. Augustus Nicodemus, um teólogo reformado de grande influência hoje no Brasil, ter anunciado que mudou sua posição. Afirma o Reverendo que passou a aceitar que Romanos 7 é mais uma descrição do homem não regenerado debaixo da lei do que a descrição autobiográfica de Paulo da vida cristã normal, como antes pensava.  Não sei quais os argumentos do Reverendo nem se eu poderia refutá-los, diante de sua sapiência, por certo. Mas, data vênia (fala sério!), prefiro permanecer nesse ponto com o Bispo Ryle e com a maioria dos reformadores. Romanos 7 é para mim, sim. Me vejo preso à realidade da Queda. Faço o que não quero. O que prefiro não faço. Luto contra essa lei que me prende à condição da humanidade pecadora. Mesmo liberto por Jesus, continuo preso. Fácil constatar, difícil de explicar.  Simples assim, mas complicado.

E você, o que acha?


sábado, 30 de junho de 2012

Gondim teria razão?





Uma das críticas que o Pastor Ricardo Gondim explicitou na sua famosa entrevista à revista Carta Capital, em abril de 2011, que veio a se tornar o marco do início de sua ruptura com o pensamento protestante clássico, curiosamente não foi de cunho teológico.   Gondim, impressionado pelo número de mortos nos tsunamis da Indonésia e do Japão, passou a questionar o controle de Deus sobre a natureza e aderiu à ideia lógica (mas nada bíblica) da cooperação entre Deus e o Homem na construção do futuro e do progresso na terra. É a chamada Teologia Relacional, suportada por outro conceito neoteológico, o Teísmo Aberto, surgida nos seminários liberais norte-americanos, que desveste Deus de sua soberania absoluta. Nesse ponto teológico importante – claramente inegociável - Gondim deixou de se alinhar com o campo da teologia reformada, lamentavelmente. É um fato. Com toda a boa vontade e respeito por ele e por seu trabalho, o rompimento teológico foi inevitável.  Mas, afora o ponto teológico em si, houveram outros, com consequências teológicas, obviamente, ligados a dois assuntos desafiadores para a igreja evangélica: primeiro, sobre a política partidária e segundo sobre a homossexualidade. Este último deixo para depois.

Gondim fez uma afirmação bombástica em um dos artigos que publicou no seu blog: “Deus me livre de um país evangélico”[1].  E esse artigo foi objeto de atenção na fatídica entrevista à Carta Capital[2].  O que Gondim temia? Que o eventual governo de um presidente evangélico caísse na tentação de negar o estado laico, de usar a lei em defesa dos valores cristãos, de aparelhar religiosamente o Estado, satanizar a cultura, higienizar os costumes, puritanizar na marra a vida civil, banir a prostituição, fechar os cines pornôs, proibir as marchas gays, indexar obras filosóficas, etc. Duvida? Claro que o nosso ordenamento jurídico, com o STF à frente, como guardião da Constituição, seria uma intransponível barreira. Nem pensar. E ainda bem! Mas que essa tentação ingênua persiste no subconsciente do “crente comum”, há, existe sim: o desejo de cristianizar o mundo pela força da lei. Já vimos o trágico resultado dessa insanidade.

Lendo alguns posts de crentes em redes sociais fico com a clara impressão de que Gondim está coberto de razão. Gente que pretende ressuscitar o maniqueísmo medieval para espreitar a liberdade cristã de seus irmãos adorariam implantar de cima para baixo e de fora para dentro a moral cristã na sociedade civil nos moldes genebrinos. Oh, Gondim, por que te afastastes da fé na soberania de Deus? Assim perdestes o poder de argumentar de dentro contra a ingenuidade do triunfalismo cristão. Não, não para mim. Nesse ponto, estou contigo. E não abro.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Fé e Soberania de Deus III - Salmo 91




De minhas conversas no Face recupero esta. Um amigo publica a foto com os dizeres acima e argumenta, corretamente, com uma perguntinha cretina-do-bem: o que acham disso as outras pessoas que tiveram as casas destruídas?

Pois é, respondo: Nada  a ver. São promessas do VT na velha aliança. Não valem mais para os crentes hoje. Mas tem gente que acredita e se deixam explorar por igrejas manipuladoras que lhes assaltam os bolsos e lançam nas suas costas a culpa de não obterem a vitória por não terem fé suficiente. Lástima. Evangelho é outra coisa.

Mas alguém resolve comentar e retruca: “Só sei que Deus é e sempre será o mesmo, e a sua palavra não mudará”.   Essa pessoa demonstra a boa-fé que acompanha grande parte dos crentes. Fomos ensinados que a palavra de Deus não mudou e permanece a mesma. Não percebemos a armadilha que esse argumento pode encerrar quando não se usa uma boa hermenêutica (regras de interpretação) bíblica.

Respondo: “Não mudou a sua palavra, mas a sua aliança sim: Velho Testamento, Novo Testamento (Testamento = Aliança = Contrato). Vai pensando que mil cairão ao teu lado e tu não serás atingido, vai!. Esse é um texto de um salmo MESSIÂNICO e o autor está falando do MESSIAS, Jesus. Outro salmo do mesmo tipo é o 34, onde diz que "nenhum de seus ossos será quebrado". Falta de conhecimento bíblico gera crentes ingênuos que são facilmente explorados por pastores inescrupulosos.

O interlocutor replica: “Mas essa palavras bíblicas servem para refletirmos sobre o dia-a-dia.”

Respondo: “Não, amigo, não servem não. Servem apenas para pastores cretinos explorarem crentes ingênuos. Sou crente e filho de pastor. Meu pai tá com 82 anos e foi pastor toda a vida até aos 70. Ele nunca ensinou esse tipo de coisa. Falo de dentro.”

Ele:  “Eu sei que temos que nos basear no NT, mas a bíblia é muito útil em todos os pontos”.

Eu: “Certo. Muito útil quando se discerne sua aplicação. Fora disso pode ser bastante prejudicial. Pode observar o quanto essas tele igrejas usam o VT completamente fora do contexto para explorar a fé dos pobres fiéis incautos.”.

Ele: “Você tem razão nesse ponto”.

Eu:  “O VT foi escrito para mostrar como NÃO DEVE SER a nossa relação com Deus. Lá tem bênção para quem obedece e maldição e castigo para os desobedientes. E qual foi o resultado? Tragédia para o povo judeu! Quem quiser receber bênção pela obediência deve estar preparado para receber e ACEITAR o castigo pela desobediência. No VT aprendemos que Deus nos trata de acordo com o que somos. No NT Jesus nos recebe APESAR do que somos. "Todos pecaram e destituídos estão da Glória de Deus", mas, "Pela Graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é DOM de DEUS; não vem de boas obras, para que ninguém bata no peito e diga: eu mereço". Simples assim!”.

Ele: “Temos que manter uma amizade com Deus sincera”.

Eu: “Evangelho não é seguro-saúde, nem salvo-conduto, nem bolsa-emprego, nem garantia de nada. Ninguém tem privilégio de "folha corrida" diante de Deus. Todos somos igualmente solidários na Queda e na condição humana. Isso é o que os teólogos chamam de "solidariedade da raça". Pastor Estêvam Ângelo (maior liderança da Assembleia de Deus no Maranhão, falecido em 1996 aos 73 anos) morreu estraçalhado num acidente de carro numa de suas viagens evangelísticas. Seu corpo teve que ser catado ao longo da pista. Seu filho, no funeral, disse: "Papai viveu como queria e morreu como não queria". O Bispo Robinson Cavalcante, grande pensador e pastor reconhecido em todo o país e América Latina, foi esfaqueado há três meses, junto com a esposa, dentro de casa, quando voltou do culto de domingo, pelo próprio filho adotivo. Onde estava Deus e essa "promessa" de que "tu não serás atingido?". Meu amigo, ninguém manda em DEUS, tá? Sem essa de "confiado na tua palavra eu determino". Deus é soberano e seus propósitos são insondáveis. Há uma hierarquia de verdades na Bíblia. Presta atenção!”


Está na base da argumentação dos ateístas há séculos: Se Deus é bom, por que não impede a maldade no mundo?  Crentes ingênuos tentam esconder o fato de que Deus não responde, como quem tenta esconder o sol com uma peneira. A verdade é essa: Deus não responde a todas as nossas perguntas, não atende a todos os nossos pedidos nem intervém contra toda a maldade no mundo. E isso tem pouco a ver com fé. Não quero ainda responder segundo me parece o porque dessa verdade que não pode ser negada. Deus tem seus propósitos. Ele deu vislumbres deles na Bíblia. E, sim, Ele está no controle. E um dia, todos iremos compreender.  Por enquanto, mistério!  A fé é um mistério!

P.S.: A foto acima é uma montagem grosseira.




terça-feira, 26 de junho de 2012

Fé e Soberania de Deus II - Navio Negreiro



Emana do peito do poeta e salta como que sem pela boca. Transcende e sobrepuja os tristes séculos desde as vésperas da varonil-proclamação. Esta a da República brasileira, est´outra a da ânsia humana por respostas.  Sim, dos átrios merencórios, dos pulmonares brônquios, engajados todos os mais periféricos alvéolos, chamados à causa de um grito. É de Castro Alves, em  Vozes d'África, publicado em Abril de 1869, esse que ecoa e ainda ecoará sabe-se lá até quando:  “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?”. É a mão e a pena que capturam no ar e imortalizam no papel para que não se perca, para que congele, paralise e se mantenha, para que nós também o ecoemos hoje e que outros o façam amanhã.
 
Eis a imortal candente estrofe do inflamado baiano-poeta coração:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? 
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes 
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

O poema é longo e plangente, e vai, descrevendo a lancinante condição do africano continente, de seu povo infeliz, escravizado.  O poeta como que re-clama o que clamara um ano antes, quando em junho de 1868, irmana seu próprio coração à negra dor dos desgrenhados nos porões escuros a cruzar mares em rumo de desgraças bem maiores, Navio Negreiro:

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!

Por que Deus não responde a nossas orações? Ou, por que, quando responde, responde muito poucas delas, quase nada?  Qual a resposta a essa inquietante pergunta que não quer calar no peito de um cristão decente, de um poeta angustiado, de outro qualquer talvez nem mesmo crente? Para tentar responde-la propus num post anterior outra pergunta: Se Deus respondesse a todas as nossas orações o que aconteceria? Para melhor raciocinar, retire-se desse “todas” os nossos eventuais caprichos, leviandades e mesquinharias. Fiquemos com aquelas que nossa cartesiana lógica impõe, nada menos do que necessárias, nada mais do que justas. Se Deus respondesse a todas as nossas orações onde pedimos cura, livramento e libertação e justiça? Encontrar alguma resposta a essa outra indagação pode lançar um pouco de luz sobre a primeira. Quer tentar?

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Fé e dúvida




Uma das coisas que aprendi durante minha vida cristã foi a perder o medo da dúvida. Antigamente as dúvidas rondavam, espreitando e ameaçando a minha fé. Parecia a mim e a tantos com os quais eu convivia que ter dúvidas sobre a mensagem cristã, Jesus, Deus e tudo mais seria, tipo assim, um grande pecado. Ainda bem que isso passou. Com o tempo, o estudo bíblico, as experiências e a experiência fui percebendo a importância da dúvida. Ela é o campo onde brota a plantinha da fé.

Vejo essa imagem na parábola do semeador (onde as sementes da fé são lançadas em diversos tipos de terrenos) e também na comparação que Jesus fez da fé como um grão de mostarda.  Encontrei ainda um fato mui precioso no ensino paulino em sua carta aos Romanos: “Esperança que se vê não é esperança, por que o que alguém vê, como o espera? Mas se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos”.  Esse ensino corrobora o de Cristo quando falou aos seus discípulos, “bem-aventurados os que não viram e creram”. E o apóstolo Paulo volta a referir-se ao ponto quando diz aos Coríntios “Hoje vemos como através de um vidro embaçado, então veremos face-a-face”.  

De que fala esse  ensino? Simples: quem vê não tem fé, por que viu. Portanto, fé requer a dúvida. Ou seja, sem dúvida, não existe fé e sim certeza. É, pois, por meio dessa fé que não vê que devemos expressar a nossa convicção de certeza, como pontua o autor da carta aos Hebreus: “Fé é a certeza das coisas que se esperam e a convicção de fatos que se não veem” – na lógica humana, um contrassenso.   Passei então a respeitar e valorizar as minhas dúvidas pois elas são o terreno onde brota a minha fé. A partir dessa compreensão a dúvida passou a ser a aliada da minha fé. 

Como fez Jó, personagem bíblico símbolo de provação no sofrimento, ao expressar sua esperança, em meio a profundo conflito e tragédia pessoal, afirmou: “Eu sei que meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra”.  Esse “eu sei” que não se sabe é simplesmente fé e só se afirma contra a evidência. Assim fortaleço a minha fé e a realço com o contraponto da dúvida, como fecha o ensino apostólico: “Olhando firmemente para Jesus, o autor e consumador da nossa fé”.  Melhor assim, não?





Fé e Soberania de Deus - I - Hierarquia de verdades






Muito tenho pensado sobre a fé. Leio nos livros de teologia a diferença ente a fé comum e a fé eficaz. A primeira nos remete à prática diária da nossa confiança de que nossas petições serão atendidas.  A segunda nos liga à uma esperança de redenção final e de uma realidade nova além-vida, focada em Jesus.  A Bíblia às vezes parece contradizer-se. Jesus disse que que quem tiver fé como um grão de mostarda poderá transportar montes. Há outras afirmações dessa natureza que nos deixam muito confiantes. As tele igrejas evangélicas pós-pentecostais são hábeis em manipular seus adeptos com esses textos. Porém, o que vemos na prática? Deus não responde. Ou melhor, responde sim, mas nem sempre. Aliás, muito mais “nem sempre” do que gostaríamos. Seria apenas falta de fé? Os crentes ficam confusos, frustrados. Ainda mais quando veem nessas tele igrejas “depoimentos” um atrás do outro “demonstrando” a eficácia da fé pessoal aplicada ao ponto de “determinar” o que Deus “tem” de fazer.

O que os crentes precisam saber é que há uma hierarquia de verdades na Bíblia. No assunto em questão, a fé como prática pessoal é claramente ensinada como elemento da oração. Jesus nos manda orar, levar a Deus nossas petições, crendo que serão atendidas, “e assim será”. Porém há outra verdade superior a essa: Deus é soberano e Ele tem seus propósitos, que são insondáveis.

O que aconteceria se Deus respondesse a todas as nossas petições?