quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quê que é isso, Reverendo? Ou pra quem é Romanos 7?







Lendo “Santidade”,  obra clássica do Bispo Ryle, bispo de Liverpool (cidade dos Beatles), descubro o quanto os tempos mudaram e continuam os mesmos.  Temos sempre a tentação, quando analisamos nosso tempo, de considera-lo ímpar. É verdade que cada época tem suas singularidades, mas há certos aspectos que nunca mudam com respeito ao gênero humano: sempre inconsequentes, facilmente manipuláveis. Ryle insurgia-se contra o que chamava de “ventos de doutrina”. Vivia-se um contexto de grande fervor espiritual, mas não tão apreciado pelo Bispo. Pregava-se que os crentes já são santos apenas por causa da fé em Cristo, portanto, não precisavam se atormentar com esforços pessoais em busca de um melhor comportamento, pois, perante Cristo, já eram santos. Como consequência, não se dava tanto valor às exortações bíblicas em relação à santidade na vida diária. Contraditoriamente, todavia,  pregava-se que os crentes poderiam alcançar um patamar de santidade plena, ao ponto de viver sem pecar. Como? Através de uma experiência mística marcante e profunda com Deus, uma como que segunda conversão, segunda bênção, pela qual o crente atingiria, de salto, um patamar mais elevando em sua espiritualidade que o capacitaria, por uma presença especial de Jesus em si uma condição superior em relação ao pecado, tornando-se um santo. Para dar base a essa doutrina esvaziavam o conteúdo de Romanos 7, capítulo no qual Paulo descreve a condição do homem depois da queda. Afirmavam que esse texto não se aplicava ao crente convertido e sim somente aos incrédulos. Esse é o ponto que me interessa aqui.

Sempre apliquei esse texto a todos os crentes. “Vejo nos meus membros outra lei, que guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado”. A lei do pecado é justamente o imperativo da queda, que não libera nem mesmo os convertidos.

O Bispo Ryle reconhecia que o assunto havia sido debatido por séculos desde Paulo. Ressalta, todavia, que os melhores expositores em todas as eras da igreja sempre aplicaram Romanos 7 aos crentes em geral, maduros ou não. Contrários a esse entendimento contam-se os católicos, os socinianos (não aceitam a trindade nem a queda) e arminianos (defensores do livre arbítrio). Me alinho com o Bispo. Para mim esse sempre foi ponto pacífico: “de maneira que eu, de mim mesmo, isto é, com a minha mente, sou prisioneiro da Lei de Cristo, e com a minha carne, da lei do pecado”. Claro com água mineral.

O que me surpreendeu agora foi ler recentemente num blog, (http://tempora-mores.blogspot.com.br/search?q=romanos+7) que o Rev. Augustus Nicodemus, um teólogo reformado de grande influência hoje no Brasil, ter anunciado que mudou sua posição. Afirma o Reverendo que passou a aceitar que Romanos 7 é mais uma descrição do homem não regenerado debaixo da lei do que a descrição autobiográfica de Paulo da vida cristã normal, como antes pensava.  Não sei quais os argumentos do Reverendo nem se eu poderia refutá-los, diante de sua sapiência, por certo. Mas, data vênia (fala sério!), prefiro permanecer nesse ponto com o Bispo Ryle e com a maioria dos reformadores. Romanos 7 é para mim, sim. Me vejo preso à realidade da Queda. Faço o que não quero. O que prefiro não faço. Luto contra essa lei que me prende à condição da humanidade pecadora. Mesmo liberto por Jesus, continuo preso. Fácil constatar, difícil de explicar.  Simples assim, mas complicado.

E você, o que acha?


2 comentários:

  1. Ir contra a natureza é tarefa inglória! Sempre é! Como biólogo, penso no urso panda: um carnívoro (dentição de carnívoro, trato digestivo curto de um carnívoro, etc e etc). O coitado, ninguém sabe ao certo porquê resolvem adotar uma dieta vegetariana super restrita (brotos de bambu), então vive no limite da inanição.
    Manter o sangue quente e desenvolver outras adaptações ao clima frio em que vive, exige de mamíferos alto custo energético para promover a homeostase, o crescimento de pelagem adequada, frequência cardíaca compatível, tudo a um alto custo metabólico. Não é à-toa que o panda come sentado e se move lentamente. Tudo como esforço extra para economizar energia.
    Panda à parte, a alma humana se alimenta de suas pulsões naturais, e naturalmente a conexão espiritual está rompida (as coisas espirituais só se discernem espiritualmente).
    Como a alma é a conexão entre o mundo físico e o espiritual em nossa condição humana, só a regeneração da alma poderá permitir a vivificação e percepção do espírito. E isto, só a Graça de Deus pode operar.

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  2. A propósito da Graça, e do texto infeliz do Rev Raul Seixas, digo, Nicodemus, Deus não nos chamou para sermos borboletas!
    E mais, nunca entendi Dispensação da Lei e Dispensação da Graça como estruturas filosóficas ou teológicas estanques. Elas nem existem, a não ser como exemplos didáticos.
    Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Elias, Eliseu, Davi, Samuel, Adão, Eva, Enoque, etc... foram salvos pela Lei o pela Graça.
    "Pela Graça sois salvos mediante a fé, e isto não vem de vós, mas de Deus; e não das obras para que ninguém se glorie".
    Antes mesmo que o mundo fosse trazido a existência, a Graça já estava manifesta em Cristo. Foi essa Graça que trouxe o mundo a existência. Ponto.

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