terça-feira, 26 de junho de 2012

Fé e Soberania de Deus II - Navio Negreiro



Emana do peito do poeta e salta como que sem pela boca. Transcende e sobrepuja os tristes séculos desde as vésperas da varonil-proclamação. Esta a da República brasileira, est´outra a da ânsia humana por respostas.  Sim, dos átrios merencórios, dos pulmonares brônquios, engajados todos os mais periféricos alvéolos, chamados à causa de um grito. É de Castro Alves, em  Vozes d'África, publicado em Abril de 1869, esse que ecoa e ainda ecoará sabe-se lá até quando:  “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?”. É a mão e a pena que capturam no ar e imortalizam no papel para que não se perca, para que congele, paralise e se mantenha, para que nós também o ecoemos hoje e que outros o façam amanhã.
 
Eis a imortal candente estrofe do inflamado baiano-poeta coração:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? 
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes 
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

O poema é longo e plangente, e vai, descrevendo a lancinante condição do africano continente, de seu povo infeliz, escravizado.  O poeta como que re-clama o que clamara um ano antes, quando em junho de 1868, irmana seu próprio coração à negra dor dos desgrenhados nos porões escuros a cruzar mares em rumo de desgraças bem maiores, Navio Negreiro:

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!

Por que Deus não responde a nossas orações? Ou, por que, quando responde, responde muito poucas delas, quase nada?  Qual a resposta a essa inquietante pergunta que não quer calar no peito de um cristão decente, de um poeta angustiado, de outro qualquer talvez nem mesmo crente? Para tentar responde-la propus num post anterior outra pergunta: Se Deus respondesse a todas as nossas orações o que aconteceria? Para melhor raciocinar, retire-se desse “todas” os nossos eventuais caprichos, leviandades e mesquinharias. Fiquemos com aquelas que nossa cartesiana lógica impõe, nada menos do que necessárias, nada mais do que justas. Se Deus respondesse a todas as nossas orações onde pedimos cura, livramento e libertação e justiça? Encontrar alguma resposta a essa outra indagação pode lançar um pouco de luz sobre a primeira. Quer tentar?

Nenhum comentário:

Postar um comentário