Lendo
“Santidade”, obra clássica do Bispo Ryle,
bispo de Liverpool (cidade dos Beatles), descubro o quanto os tempos mudaram e
continuam os mesmos. Temos sempre a
tentação, quando analisamos nosso tempo, de considera-lo ímpar. É verdade que
cada época tem suas singularidades, mas há certos aspectos que nunca mudam com
respeito ao gênero humano: sempre inconsequentes, facilmente manipuláveis. Ryle
insurgia-se contra o que chamava de “ventos de doutrina”. Vivia-se um contexto
de grande fervor espiritual, mas não tão apreciado pelo Bispo. Pregava-se que os
crentes já são santos apenas por causa da fé em Cristo, portanto, não
precisavam se atormentar com esforços pessoais em busca de um melhor
comportamento, pois, perante Cristo, já eram santos. Como consequência, não se
dava tanto valor às exortações bíblicas em relação à santidade na vida diária. Contraditoriamente,
todavia, pregava-se que os crentes
poderiam alcançar um patamar de santidade plena, ao ponto de viver sem pecar.
Como? Através de uma experiência mística marcante e profunda com Deus, uma como
que segunda conversão, segunda bênção, pela qual o crente atingiria, de salto,
um patamar mais elevando em sua espiritualidade que o capacitaria, por uma
presença especial de Jesus em si uma condição superior em relação ao pecado,
tornando-se um santo. Para dar base a essa doutrina esvaziavam o conteúdo de
Romanos 7, capítulo no qual Paulo descreve a condição do homem depois da queda.
Afirmavam que esse texto não se aplicava ao crente convertido e sim somente aos
incrédulos. Esse é o ponto que me interessa aqui.
Sempre
apliquei esse texto a todos os crentes. “Vejo nos meus membros outra lei, que
guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado”. A
lei do pecado é justamente o imperativo da queda, que não libera nem mesmo os
convertidos.
O
Bispo Ryle reconhecia que o assunto havia sido debatido por séculos desde
Paulo. Ressalta, todavia, que os melhores expositores em todas as eras da
igreja sempre aplicaram Romanos 7 aos crentes em geral, maduros ou não.
Contrários a esse entendimento contam-se os católicos, os socinianos (não
aceitam a trindade nem a queda) e arminianos (defensores do livre arbítrio). Me
alinho com o Bispo. Para mim esse sempre foi ponto pacífico: “de maneira que
eu, de mim mesmo, isto é, com a minha mente, sou prisioneiro da Lei de Cristo,
e com a minha carne, da lei do pecado”. Claro com água mineral.
O
que me surpreendeu agora foi ler recentemente num blog, (http://tempora-mores.blogspot.com.br/search?q=romanos+7)
que o Rev. Augustus
Nicodemus, um teólogo reformado de grande influência hoje no Brasil, ter anunciado que mudou sua
posição. Afirma o Reverendo que passou a aceitar que Romanos 7 é mais uma
descrição do homem não regenerado debaixo da lei do que a descrição
autobiográfica de Paulo da vida cristã normal, como antes pensava. Não sei quais os argumentos do Reverendo nem se
eu poderia refutá-los, diante de sua sapiência, por certo. Mas, data vênia
(fala sério!), prefiro permanecer nesse ponto com o Bispo Ryle e com a maioria
dos reformadores. Romanos 7 é para mim, sim. Me vejo preso à realidade da
Queda. Faço o que não quero. O que prefiro não faço. Luto contra essa lei que
me prende à condição da humanidade pecadora. Mesmo liberto por Jesus, continuo
preso. Fácil constatar, difícil de explicar. Simples assim, mas complicado.
E
você, o que acha?