Uma das
críticas que o Pastor Ricardo Gondim explicitou na sua famosa entrevista à
revista Carta Capital, em abril de 2011, que veio a se tornar o marco do início
de sua ruptura com o pensamento protestante clássico, curiosamente não foi de
cunho teológico. Gondim, impressionado pelo número de mortos nos
tsunamis da Indonésia e do Japão, passou a questionar o controle de Deus sobre
a natureza e aderiu à ideia lógica (mas nada bíblica) da cooperação entre Deus
e o Homem na construção do futuro e do progresso na terra. É a chamada Teologia
Relacional, suportada por outro conceito neoteológico, o Teísmo Aberto, surgida
nos seminários liberais norte-americanos, que desveste Deus de sua soberania
absoluta. Nesse ponto teológico importante – claramente inegociável - Gondim deixou
de se alinhar com o campo da teologia reformada, lamentavelmente. É um fato.
Com toda a boa vontade e respeito por ele e por seu trabalho, o rompimento
teológico foi inevitável. Mas, afora o
ponto teológico em si, houveram outros, com consequências teológicas,
obviamente, ligados a dois assuntos desafiadores para a igreja evangélica:
primeiro, sobre a política partidária e segundo sobre a homossexualidade. Este
último deixo para depois.
Gondim fez
uma afirmação bombástica em um dos artigos que publicou no seu blog: “Deus me
livre de um país evangélico”[1]. E esse artigo foi objeto de atenção na
fatídica entrevista à Carta Capital[2]. O que Gondim temia? Que o eventual governo de
um presidente evangélico caísse na tentação de negar o estado laico, de usar a
lei em defesa dos valores cristãos, de aparelhar religiosamente o Estado, satanizar
a cultura, higienizar os costumes, puritanizar na marra a vida civil, banir a
prostituição, fechar os cines pornôs, proibir as marchas gays, indexar obras
filosóficas, etc. Duvida? Claro que o nosso ordenamento jurídico, com o STF à
frente, como guardião da Constituição, seria uma intransponível barreira. Nem
pensar. E ainda bem! Mas que essa tentação ingênua persiste no subconsciente do
“crente comum”, há, existe sim: o desejo de cristianizar o mundo pela força da
lei. Já vimos o trágico resultado dessa insanidade.
Lendo
alguns posts de crentes em redes sociais fico com a clara impressão de que
Gondim está coberto de razão. Gente que pretende ressuscitar o maniqueísmo medieval
para espreitar a liberdade cristã de seus irmãos adorariam implantar de cima
para baixo e de fora para dentro a moral cristã na sociedade civil nos moldes
genebrinos. Oh, Gondim, por que te afastastes da fé na soberania de Deus? Assim
perdestes o poder de argumentar de dentro contra a ingenuidade do triunfalismo
cristão. Não, não para mim. Nesse ponto, estou contigo. E não abro.