segunda-feira, 1 de julho de 2013

Aula de não-cidadania cristã

As manifestações de junho/2013 tomaram o Brasil de surpresa. Ninguém esperava, nem imaginava. Transformaram a Copa das Confederações da FIFA em Copa das Manifestações. Milhares e milhares de pessoas foram às ruas em dezenas de cidades no país. Começou militante, depois povo e descontrole. Uma maioria multifacetada, sem bandeiras partidárias, minada por todo tipo de interesses e de militantes contraditórios e demandas diversificadas e, às vezes, contraditórias. Maioria pacífica sempre, mas também, quase sempre, terminando sob a influência da baderna e vandalismo provocada pela minoria. 

Os crentes evangélicos, outrora "protestantes", ficaram divididos. Algumas lideranças pensantes, formadoras de opinião, manifestaram-se contrárias. A maioria, contudo, mostrou-se ambígua, apoiando a participação dos crentes, mas com tantas restrições e senões que, na prática, geraram insegurança e inviabilizaram a participação.

A IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) publicou uma posição em seu site, assinada por um de seus melhores teólogos. A partir do título já se anunciava a intensão desmobilizadora: "Sobre os Tumultos". 


Fiz um resumo comentado, segundo meu ponto de vista, obviamente:

O texto começa com um versículo pinçado de Provérbios: 
"Os homens escarnecedores alvoroçam a cidade, mas os sábios desviam a ira." (Pv 29.8 ). Já de início o tom de crítica é ironicamente colocado.
O autor começa se auto-desqualificando para uma análise político-social (mundo), mas está pronto para uma análise cristã-reformada (igreja). Parece justo, não? Afinal, é um teólogo!
Depois argumenta, citando as Escrituras, que supostamente Deus estaria rindo de tudo isso... “Que povinho besta, pensando que pode frustrar meus propósitos para com as nações! O governo está em minhas mãos, hehehe...”
Em seguida afirma que manifestações populares e seus tumultos foram usadas pelos inimigos para tentar destruir Cristo desde a igreja primitiva no passado - a turba pediu a crucificação de Cristo... a turba se levantou contra Paulo em Icônio, Derbe, Listra e Éfeso, etc, até, enfim, ser preso em Roma. Em tudo isso, porém, estavam apenas cumprindo o propósito de Deus. A mesma coisa ocorreria hoje, pois esse povo baderneiro pensa que está fazendo alguma coisa autônoma, quando na verdade está apenas cumprindo um propósito maior de Deus que é “promover a sua glória e o bem do seu povo”. Pode até haver motivos justos para estas manifestações, diz o autor, porém tais motivos estão misturados com motivações obscuras e impuras, já que são decaídos, pecadores todos esses manifestantes.
Afirma ainda que Deus por vezes usa as autoridades para reprimir e castigar os baderneiros. (As agressões gratuitas contra inocentes, eventualmente cometidas, decerto, não podem ser colocadas na conta do Altíssimo, não é mesmo? Ou se forem, é bem feito, pois quem manda misturar-se a essa turba de baderneiros?)
Por fim, não poderia faltar, a clássica referência a Romanos 13, - as autoridades são ministros de Deus para proteger os bons, castigar os maus e promover o bem, etc., etc... (apelo à insegurança para desestimular qualquer reação dos crentes contra as injustiças pelo risco de estarem se opondo às autoridades constituídas por Deus e merecedoras apenas de temor, respeito e impostos. A única desobediência civil justificável parece dar-se quando o Estado fere a teologia).
Agora as conclusões práticas recomendadas pelo autor.
  1. Devemos lembrar que Deus sempre reverteu o propósito maligno dos tumultos das massas em favor do seu povo.  (Será uma sugestão? Então não seria melhor ficarmos em casa, tranquilos, que no final, sairemos ganhando?).
  2. A participação dos cristãos em manifestações públicas só são válidas se forem ordeiras e pacificas, sem tumultos, visando o bem da sociedade e não somente os privilégios dos crentes e evangélicos. (Como os protestos serão sempre imperfeitos, só nos restaria reeditar a marcha da Tradição, Família e Propriedade, e olhe lá!).
  3. Estas manifestações são civis, expressões sociais e não um culto! (ah, tá! Uma dicotomiazinha básica, não fará mal de vez em quando!).
  4. Por exemplo, ao protestarmos contra a aprovação da lei da homofobia devemos fazê-lo essencialmente porque se trata de uma violação da Constituição que garante a todos – e não somente aos crentes – o direito de consciência e de expressão (o direito dos homossexuais serem o que são, nem pensar! É pecado, portanto tem que ser legalmente proibido!).
  5.  A igreja tem mais é que pregar o Evangelho de Cristo, chamando governantes e governados ao arrependimento de seus pecados e conversão, pela fé, a Jesus Cristo. (Pacto de Lausanne, passou longe!)
  6. Não somente isto, pelo procedimento e pelo exemplo os cristãos se tornam sal e luz do mundo, quando suas obras de amor, arrependimento e fé são vistas pelos incrédulos. (Somente bons cristãos, maduros e crescidos espiritualmente podem protestar. Crentes carnais, nem pensar!).
Depois dessa leitura, fica bem claro que não-devemos-muito-pelo-contrário-depende-com-certeza-talvez-sim-talvez-não, participar dos protestos! Os jovens crentes agora estão bem orientados e seguros quanto à participação nos protestos.


5 comentários:

  1. Excelente tradução do ascético teologuês. Parabéns, Faustino, pela lucidez e pela coragem. O discurso do Rev. Nicodemus resvala ao sofisma. O murismo como sempre é a alternativa. Fiquemos recolhidos aos arraiais à espera dos resultados, de que nos beneficiaremos depois. Nada de referência à pregação dos profetas contra as injustiças praticadas pelas autoridades constituídas do seu tempo, os próprios reis de Israel.

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  2. Faustino, peço a tua autorização para replicar teu post, como sempre, lúcido, incisivo e perspicaz!

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  3. muito boa tua análise sobre o texto do teólogo presbiteriano! Parabéns

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  4. Já pensou? Que orientação precisa de um líder da igreja!!! kkkk... Melhor seria que o Rev. Nicodemus ficasse quietinho em frente à sua TV 3D vendo a turba turbinar o Brasil.
    Aliás, "turba" vem do latim "turbae", uma mistura de "turbulência" e "cidade"(urb). Os imperadores romanos a temiam mais que qualquer coisa. Tinham estratégias específicas para lidar com ela. Até uma tropa de choque de elite: a guarda pretoriana.
    A política de pão e circo, servia bem ao propósito de acalmar a turba (nem sempre). Sabiam que os padeiros em Roma eram subsidiados pelo Estado? Imaginem... eram um braço político do imperador para literalmente distribuir pão quando as coisas apertavam. E lá também de a Copa do Mundo Romano, formada pelas seleções das escolas de gladiadores na "Arena Coliseum".
    Mas, Reverendo, pinçar textos aleatórios e atribuir significados na base do achismo e interesses do momento não é seu papel como autoridade papal da IPB,não é mesmo?
    E olha... meu lugar de culto não é o templo erguido por mãos humanas, não... é a minha vida. Na turba ou fora dela.
    "NÃO AO PLEBISCITO DE DILMA!" Não foi isso que pedimos nas ruas.

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